domingo, 28 de outubro de 2007

Bode ou Urubu?

Zai é baixinho, tem mais de sessenta anos, é conservador e sistemático, prefere o ar sério e o semblante fechado. Nei, seu filho, tem trinta e poucos e é muito engraçado. Poucas pessoas têm a sua graça para contar histórias onde ele ou o pai são, invariavelmente, os principais personagens. Em todos os casos, eles sempre se dão mal...

Tenho a sorte de conhecê-los e encontrá-los com alguma frequência. Hoje Nei almoçou comigo. Estava de ressaca e falou pouco, preferi deixá-lo dormir um pouco na rede da varanda. Mas relembramos alguns casos mais leves, do velho Zai. Zai é conhecido também pela teimosia. Não se conhece ocasião em que ele tenha mudado de opinião, mesmo ante as maiores evidências...

Zai tem um caminhão Ford velho, branco, reformado, tratado com todo carinho. Mais por gosto que por necessidade, de vez em quando pega algum frete. Naquele dia saiu cedo, na companhia do compadre Jonas, velho companheiro de jornadas e discussões. A madrugada era ainda pouco luminosa e o caminhão já pegava a estrada de Massaranduba, onde carregaria de mourões. Num trecho da estrada, reto, avistaram lá adiante algo no meio da estrada. No início era apenas uma mancha preta. Jonas arriscou: É um urubu! Zai apertou os olhos, firmou as vistas, retrucou: Não é urubu. É um bode! Foi a vez de Jonas botar atenção na coisa, da qual o caminhão se aproximava lentamente. Os dois, míopes, não conseguiam enxergar com nitidez lá adiante. Jonas: Ô, Compadre, não está vendo que é um urubu? Zai já se aporrinhava: Que urubu o que, não enxerga não, é? Não está vendo que é um bode?

O caminhão avançava e os dois teimavam: É urubu! É bode! É urubu! É bode! É urubu, seu idiota! É bode, seu véio cego! Até que o bicho lá na frente abriu as asas e voou.

Não falei que era um urubu? Não falei? Olhá lá, voou!

Rubro de raiva e mastigando as palavras, Zai retrucou: Que voou eu vi, não sou cego. Mas ainda aposto que era um bode!

Silêncio até o fim da viagem, que Jonas conhecia o compadre e sabia que era melhor não tripudiar.
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Um comentário:

Anônimo disse...

Muito bom, Paulo. Sua prosa tem muita manha.
besito