sábado, 6 de outubro de 2007

Maluca Lírica


A janela está aberta. O vento, preguiçoso, apenas estremece a cortina de seda e leite. Vaza pelo lado, escapole pela porta entreaberta. Entro. A cama é um mar revolto de lençóis e colchas. Cheiros. A colcha vermelha escorre pela beirada e cobre parte do tapete vinho que cobre parte do chão castanho de madeira. Gosto dessas passagens de tons. Vivo, denso, morto. Castanho é morto. Na mesinha, um copo largo, de uísque, vazio. Um cinzeiro, vazio. Perfumes. Perto do armário, sua sandália de salto. Linda...
Piso no tapete e aspiro os cheiros, toco a colcha com a ponta dos dedos, estremeço. Evoco as cenas. As costas largas e musculosas dele, o corpo moreno parcialmente coberto, ela em seu corpo delicado e alvo sob aquele colosso, os ruídos, todos, das respirações aceleradas, dos suspiros, dos movimentos... Os gemidos, os delírios, os corpos se roçando, bocas e pescoços e lábios e mãos e dedos e sexos e fluidos... Estremeço e corro até a janela. Aspiro agora o ar puro da manhã, tomo fôlego. Não quero olhar para fora. Meus olhos não vêem nada. Minha fantasia agora os apanha deitados, um ao lado do outro, despertando devagar... Sorrisos tímidos, felizes... Carícias... Olhares... De repente o homem agarra-a e puxa-a para sobre si, enquanto se livra dos lençóis e das cobertas. Agora são as suas costas, delicadas, em primeiro plano. Sua curva suave dos quadris, suas coxas abertas sobre o homem, seus cabelos, seus seios pequenos...
Meu corpo treme e minha boca está seca. Sei exatamente como acontece, mas não sei o gosto...
Corro para a biblioteca e apanho na prateleira o sétimo volume da segunda estante. Deito-me no sofá, com o livro apertado contra o peito. Aguardo. Passo o dedo pelas pontas das folhas, aspiro. Seu cheiro. Aroma crespo, denso, morno, farto... Fumo. O livro escorrega das minhas mãos, para o meu corpo e para o sofá. Seu cheiro continua em mim. Impregna-me. Fecho os olhos e sinto tanto desejo que vou enlouquecer. Respiro, tremo, arrepio-me, molho-me, reteso-me... Acaricio-me. Lento. Forte. Rápido. Gozo... Adormeço.
Quando acordo, me recomponho rápido. A blusa com os botões abertos, a saia dobrada acima da cintura, sintomas do meu vício. Tento perceber se há mais alguém. Ainda é cedo. Tudo está em silêncio. Reponho o livro. Ando lentamente até o pequeno quarto. No caminho, tento relembrar o seu rosto. Todos os homens têm o mesmo rosto, e é o rosto desse homem que eu desejo tanto. Todos têm o mesmo seu corpo. Todos têm o seu cheiro. De pétala curtida, justo, áspero, sonso. Papai e Mamãe nem sonham. Viajam.
Sei exatamente como acontece, mas nunca senti o gosto... Não sorrio quando ele brinca comigo e me chama de sua cunhadinha preferida. Não dou pistas sobre o que sinto. Não falo do assunto com ninguém, muito menos com ela. Somos parecidas. Ela é mais velha e mais bonita. Linda, de sandálias de salto. Ela não sente ciúmes, me acha criança. Maluca Lírica, me chama. Não ligo. Sei como acontece, mas escondo. Nunca olho em seus olhos. Papai e Mamãe nem sonham. Gosto de guardar esse segredo. Gosto do seu cheiro naquele livro que ele lê tanto. Livro mais bobo. Kama Sutra, outro segredo. Não o olho nos olhos nem quando ele me fita, pela porta entreaberta, enquanto ela goza. Prendo a respiração e fico séria. Ele me vê na penumbra. Ela nunca nota, tanto goza, a tonta. Também não o olho nos olhos quando ele quase me come, do tanto que olha meus seios ou minhas coxas, se, distraída, me sento sem cuidados na sua frente. Nem quando deixo a porta encostada, quando tomo banho, e ele se esgueira e entra e me olha. Papai e Mamãe nem sonham. Nem quando ele diz em meu ouvido que vai me comer assim que enjoar dela... Tonta!

2 comentários:

Anônimo disse...

Denso, tenso e perfeito!! Me peguei aqui pensando: Será que fui uma tonta aos olhos da minha irmã mais nova também?? Vou conversar seriamente com ela. Acho que a presentearei com um livro do Kama Sutra.Continuarei com saltos cada vez mais altos.
Beijo.
Sara

Nah disse...

Uma reclamação. Esse fundo preto atrapalha a leitura e cansa os olhos. Quando saio do seu blog e volto para a vida, meus olhos estão com manchas. Te beijo.