quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Causos de Viagem

Saímos, eu e a minha amiga Else, com rumo mas sem destino. Iríamos até uma rodovia federal e daí pela primeira estrada que nos agradasse, dois dias para o sul e para o leste, e nos dois dias seguinte voltaríamos para o norte e para o oeste até encontrarmos novamente a rodovia. Não queríamos seguir roteiros.

Passamos por uma cidade onde eu conhecia algumas pessoas. Fomos convidados para um evento, uma palestra, sobre assunto que nos interessava. Fomos conferir. Estava no espírito do nosso passeio. Fiquei sentado com os meus conhecidos, Else foi sentar-se mais perto do lugar destinado aos oradores, o primeiro seria um político conhecido, nordestino. Contou-me depois:

“O homem é bonito, carismático. Falou o tempo todo olhando pra mim, sorrindo, flertando. Tem esse problema do sotaque do nordeste, que nele é fortíssimo, quase forçado, achei... No início mantive-me impassível mas depois pensei, e por que não? Passei a devolver-lhe os olhares e sorrisos. Estabeleceu-se um clima de claro interesse entre nós, acho que perceptível para os que estavam próximos. Tentei ser discreta o quanto pude. Veio o coffee-break, ao fim da sua palestra. Peguei um café e me afastei das mesas, notei que ele vinha em minha direção, fiquei curiosa, sabia que vinha me abordar. Não chegou muito perto. Quando viu que eu estava olhando, apenas fez um sinal com a mão e me disse: Ramo? Demorei um pouco a entender, e respondi meio na lata: Rou nada! Voltei correndo para a minha cadeira no salão e deixei-o lá, atônito.”.

Ainda rindo daquele caso tomamos a estrada novamente. Paramos no meio da tarde num restaurante à beira da estrada, bem simples. Havia um salão com mesas e ao lado uma espécie de varanda bem ventilada com redes. O cardápio era todo à base de carne de bode. Bode e aipim, que eles chamam no nordeste de macaxeira. Apreciamos um filé de bode, uma carne do sol de bode, um sarapatel de bode e uma viúva de bode, tudo acompanhado por macaxeira e molho de pimenta, tudo delicioso. De sobremesa, mangas doces como mel. Else olhava intrigada para o salão vazio, todo ornamentado com aquelas redes coloridas, e perguntou à moça que nos servia:

--- Mas, diga uma coisa, essas redes aí... o pessoal usa?

--- Olha, moça, vou lhe dizer: a pessoa vem pra cá, come bode, come bode, come bode. Come bode e come macaxeira. Depois ainda come manga e toma água. Aí, já com o bucho cheio, dêitia na rede e pêidia, pêidia, pêidia!...

Rimos até fazer a digestão. À noite chegamos num pequeno povoado onde encontramos um bar à beira do rio, com varandas cheias de mesas e grupos bebendo e cantando. Algumas pessoas jogavam sinuca, pareciam todos nativos. Pedimos cerveja, conversamos com a dona do bar que nos apresentou umas moças e uns rapazes que tocavam e cantavam, ficamos ali no grupo, mais observando que participando, apreciando a cervejinha gelada e a alegria do grupo. Um rapaz tirou uma moça para dançar. Em pouco tempo afastaram a mesa de sinuca e fizeram um salão de baile. Outros casais começaram a dançar e a coisa virou festa. A moça que dançava desde o começo voltou para a mesa:

--- Que cara chato! Queria de qualquer jeito me comer, onde já se viu?

A dona do bar, que observava a cena ao nosso lado, comentou, jocosa:

--- Bem se vê que essa inha é de fora. Onde já se viu, por aqui, uma moça dessa idade suvinar o periquito?

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