sábado, 29 de setembro de 2007

Tia Elvira e Sexo

Tia Elvira me inspira duas imagens muito simbólicas. A imagem de uma freira, Madre Superiora. E a imagem de uma rainha, Rainha Mãe. Tia Elvira tem essa estatura. Sabe-se que foi casada por pouco tempo, com um homem que lhe abandonou e desapareceu. Tia Elvira não se abalou. Colocou luto fechado e preferiu considerar-se viúva, como prefere continuar até hoje. A família, como sempre, deu-lhe todo apoio e respeitou sua opção. Para todos os efeitos o homem está morto e enterrado desde então e não se fala mais nesse assunto. Que Deus o tenha. Ou o diabo...

Encontramo-nos uma ou duas vezes por ano. Minhas conversas com Tia Elvira são sempre densas, embora cuidadosas. Trilhamos por assuntos neutros ou situações familiares já resolvidas, onde evito emitir opiniões ou na melhor hipótese concordo com o que ela diz. Tudo parece ter um peso excessivo, uma desnecessária formalidade. Quase nunca rimos. Durante todo o tempo, temo que por qualquer deslize eu possa ser condenado ao fogo eterno. Ou perder o seu aparente respeito, o que vem a ser quase a mesma coisa. Eis a minha postura ante Tia Elvira. Por isso o meu espanto quando, num papo despretensioso sobre um assunto qualquer ela disse:

--- Tudo na vida é sexo... você sabe. Não?

Apressei-me em responder:

--- Claro, claro, sei sim! Claro!

E fiquei quase zonzo de ansiedade esperando o que viria a seguir. Ela olhou-me demoradamente e disse:

--- Pode não ser a sua opinião...

--- Não, Tia! Concordo, claro, na vida tudo é sexo!

Ela me olhou franzindo os olhos.

--- Ops, desculpe. Tudo na vida é sexo, eu quis dizer...

--- Não precisa pedir...

Mantive-me em silêncio, aguardando. A ansiedade fazia meu corpo vibrar por dentro. Era tão inusitado! Tudo me dizia que seria um desses momentos-revelação, que mudam para sempre um relacionamento ou a vida da gente. E se ela quisesse me contar sobre sua vida sexual secreta? E se quisesse propor alguma sacanagem incestuosa? E se? E se? Ela continuava em silêncio. Andávamos pela calçada da praia e era final de tarde. Ela então apontou o azul mais profundo, da parte mais distante, no mar:

--- Naquela faixa ali, onde o azul fica mais escuro, em outubro, costuma-se ver as caudas das baleias que vêm procriar.

E então discorreu prazerosamente sobre a migração e a procriação das jubartes.

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