terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Poema : A Tira e a Bota

Minha avó Carlota me escreveu:

“Três vezes por dia, meu Garanhão do Tabuleiro, só se for banho mesmo. Não entendi a sua exaustão, mas mesmo assim liguei e pedi a Elvira para deixar de pouca vergonha e tirar essa menina daí. Ela me disse que a zinha está só que engorda de tanto comer tatu e cocá, que eu preciso ver que beleza. Que todo dia vocês bebem cerveja e comem cocá ou tatu, e que um dia você quis beber uma Tatu e a menina adorou, e no dia seguinte ela queria beber uma Cocá e só tinha Coca e foi difícil explicar a ela porque o juízo dela é do tamanho de um ovo e de tanto comer e beber uma coisa e outra você podia se atrapalhar e comer a menina e ela ia adorar, que você é o genro dos sonhos dela, veja que conversa mais besta mas aí eu descobri que Elvira tinha tomado um bocado de conhaque e não estava em condições de conversar, ainda mais comigo! Agora, Amante da Sulancagem, Garanhão do Itanhém, Don Juan de Itapetinga, eu lhe digo uma: se você comer a menina e engravidá-la vai ter que casar, seu Barrão da Bela Vista! Eu mesma o obrigarei, pela memória do nosso finado Pitolomeu! Coma tatu e cocá, coma mais quem você quiser, coma até o padre mas deixe a moça quieta, é sua prima e isso pra mim é pecado! Fique em paz, meu Galã do Jucuruçu do Sul, e receba a minha benção no seu coração”.

Avó é foda! Prima pecado, já se viu? Hoje tive que dar dois tiros na bunda de uma vaca que insiste em comer minha plantação. Tiros de ar comprimido, só para sofrer um pouquinho de dor. Acho que um dia desses vou dar dois tiros na bunda da Vó Carlota...

Ah, lembrei um poema que fiz para essas duas:

A Tira da Bota

Quando eu botava a minha bota
botava também uma tira
que só podia ser tirada
quando eu tirasse a minha bota.
A tira da minha bota
era feia e desnecessária.
Minha avó chamava-se Carlota
e sempre dizia:
Tira a tira dessa bota!
Mas a tira só saía
se eu tirasse a minha bota
e então eu respondia:
Não dá para tirar a tira
Vó Carlota,
porque eu já botei a bota!
Ela ficava nervosa.
Tira a bota! E então tira a tira!
Não gostava da tira
a Vó Carlota
mas a minha tia adorava.
Chamava-se Tia Elvira.
E gritava:
Bota a tira! Deixa a tira! Não tira a bota!
Minha Avó Carlota: tira a bota!
Minha Tia Elvira: bota a tira!
Minha Avó Carlota: tira a tira!
Minha Tia Elvira: Bota a bota!
As duas nunca se entendiam
minha tia e a minha Avó Carlota
minha avó e a minha Tia Elvira.
Quando eu botava a minha bota
botava também uma tira
da qual minha avó não gostava
mas que linda era para a Tia Elvira!
Minha paciência já que se esgota!
Já quase acabo a minha cota
de repetir a mesma nota
a mente da gente é que gira:
o que faço, afinal?
Tiro a bota e boto a tira
ou tiro a tira e boto a bota?

sábado, 15 de dezembro de 2007

Cartas do Sítio (2)

Minha Avó Carlota:

A sua benção. Que tudo esteja em paz com a senhora.

Escrevi para Tia Elvira contando como vão as coisas aqui no sítio. Entusiasmada como ela é, pelas coisas do campo, resolveu mandar a prima Joana para passar uns dias comigo. Quando soube peguei logo a fotinha da Joana que tenho aqui, de 1987, que criança linda!

Bem, ela cresceu, a Senhora sabe. As roupas, porém, parece que usa ainda aquelas, de quando era criança. Falta pano e sobra Joana. A Tia Elvira me pediu para cuidar dela com carinho. Não explicou direito. De qualquer forma eu dou banho nela três vezes por dia, ponho para dormir na minha própria cama e cuido pessoalmente da sua satisfação em todas as horas dos dias. Isso tudo está me consumindo bastante, motivo pelo qual peço que a Senhora interceda junto a Tia Elvira, pedindo-lhe que chame a Joana de volta. Com licença da má palavra, receber Joana aqui, pra mim, na verdade foi foda! Eu não estava bem preparado. E já vão cinco meses de visita, Vó Carlota, não acha que é um pouco demais!?

Um beijo do seu neto querido, em exaustão

P.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Cartas do Sítio

Minha Tia Elvira

Estimo que passe bem. Aqui vão algumas notícias do sítio:

Aqui chove um dia e faz sol dez. Ilude a gente. O que se planta tem que regar. Parte perde-se. O sol é inclemente. Lugar comum. Aqui é um lugar comum.

Apareceu outro tatu. Maior. Os homens do mato são práticos como as putas. Pegou, é de comer, mata-se, limpa-se, moqueia-se, tempera-se, prepara-se, come-se. Peba na pimenta e festa. Pinga. De tempos em tempos pinga uma noite assim. Proseia-se, bebe-se, cala-se... Come-se um tatu e elogia-se. Os homens das leis adoram comer tatu, paca, veado, capivara... De fiscal a juiz. A senhora sabe quem.

Um único pé de jaca tinha cento e oitenta e três frutos. Derrubei quase todos, verdes, maduros e pecos, porque podiam cair na minha cabeça, no meu carro, na minha casa. Deixei dois, numa posição boa, para derrubar de tiro.

Os cachorros brigam. Pai e mãe entre si. Os dois irmãos entre si. Os quatro entre si, sabe-se lá de que lado cada um. São cinco cães. Quatro de raça, boxer, adultos, bonitos, pesados, que se estraçalham entre si. O quinto cão é o Sheid. Sheid Pulga, que tem nome e sobrenome. Esse só late e aprecia. Arrodeia os brigões, arreganha os dentes, faz mais barulho que os quatro juntos, salta, late, late, late, mas não se arrisca. Mantém distância cínica, a salvo das dentadas mas privilegiado espectador. Penso que ele torce para algum, mas nunca me ocorreu para quem...

Minha horta será transplantada para dar lugar a um ofurô de pobre, que acabei de inventar: uma caixa dágua de fibra de vidro, de 1.500 litros, cortada para ficar mais baixa e com um buraco no fundo, onde é soldada outra caixa de fibra de vidro, de 310 litros, também cortada. Essa coisa será instalada de modo a ficar quarenta centímetros aflorando do chão da varanda, numa espécie de deck de ladrilhos que hoje já existe e circunda a horta que se vai. Meu ofurô pop acomodará bem sentados até seis pessoas, que poderão desfrutar as delícias de uma água fresquinha até os ombros, nesse verão infernal, batendo papo com quem estiver no ofurô ou na varanda, tomando uma cervejinha gelada ou uma batida de abacaxi com hortelã, relaxando, enfim... Sou pobre mas sou marrento, mané! A senhora não é mané, é só modo de dizer.

Os gansos pularam de quatro para dez. Os perus tiveram dez filhotes mas só sobraram três. Os cocás são mais de cem e voam como perdizes. As galinhas, em algum momento, chegarão a duas mil. Os pés de urucun floram e formam cachopas, de tom vermelho e marrom. Plantei outro tanto e outro tanto plantarei. Apesar do sol inclemente desse lugar comum.

Eu engordei e estou preto que nem um caboclo. Aquela moça diz que devo me cuidar mas que não liga para minha barriga e sim para o meu pau. A senhora acredita?

Um beijo no coque. Do seu sobrinho que muito lhe preza.

P.

domingo, 2 de dezembro de 2007

Amante

Sinto o teu cheiro
de fome
de fêmea
de cio
os teus tremores
quando respondes
involuntária
aos meus toques
e tuas flores
róseos mamilos
crespos macios
deliciosos
e tua flor
doce e úmida
teus sabores
e quanto retesas
esse teu corpo
quando me encosto
e como suspiras
e fecha os olhos
quando te faz ameaças
a ponta inquieta
da minha língua
e como fazes
cara de boba
quando te reviro
viro ao avesso
e o desespero
quando me beijas
me subjuga
e me devora
ou quando plácida
te ofereces
aos meus amores
mais brutos...
Em silêncio
esquecemos
por um instante
as nossas dores...