quinta-feira, 19 de março de 2009

Título Para Pagamento

Está no envelope. Roberto está á beira de um ataque de nervos. O mundo quer devorá-lo. A vida é voraz. Tudo, paga-se. Revolta-se. Roberto faz tratamento psicoterápico faz uns meses.

Vários títulos. O dinheiro sumiu mas eles chegam aos borbotões. Consórcio, água, luz, telefone, internet e tv a cabo. Impostos, encargos. Seguro Saúde. Cartão de Crédito. Sindicato. Vales para os empregados. Roberto descabela-se. “Não pago mais nada. Nada! Fodam-se!”. Uma pessoa neste estado pode ser fatal.

Tem um terno preto desse tecido que não amassa. Há um maço de notas, as últimas, guardadas num bolso interno do paletó. Não toca no dinheiro, não sabe da sua existência, das migalhas que Ana esconde com tanto fervor. Veste o terno. Preto. O seu destino é preto. Resolve ir de sandália. Japonesa, tipo Havaianas. Com meias brancas. Ir para onde? Não sabe, e nem quer saber. “Fodam-se, já disse!”. Roberto pirou.

O asfalto molhado reflete as luzes. Poucos carros chiam os pneus naquilo. Preto. Duas e meia da manhã. As meias brancas de Roberto encharcam-se e fazem um barulho bem chapinhado quando ele anda. As sandálias jogam lama na sua bunda. Roberto resolve que quer beber.

“Nenhum bar à vista. Não pago! A prazo? Também não pago! Fodam-se!”. Tudo se lhe afigura contrário, ameaçador!

Um carro da polícia encosta ao seu lado. “O cara está pirado, Homem!”. Não se sabe quem disse isso. Roberto reage, sabe-se lá porque,,, Uma cacetada na cabeça e as luzes coloridas fogem. “Fodam-se!”. “Este homem estava vagando pelas ruas. Um cidadão informou que ele mora aqui. É seu marido, Dona?”. O dinheiro não está mais no bolso do paletó. “Ai, Jesus, Roberto, o que você fez com o nosso dinheiro???!!!!”. Era tão seguro esconde-lo ali, fazia tempo que Roberto não usava aquele terno... O policial entrega um envelope. “Estava com isso nas mãos”. Que piração! Outro Título para Pagamento. Foda-se! Se tivesse aquele dinheiro, ou mais coragem, ou fosse um pouco impiedosa, ou tudo isso ao mesmo tempo, iria embora hoje mesmo...

No carro da polícia dois malandros riem da sorte. “Quanta grana, cara, que piração!”.

Ana, de Roberto, tem dificuldade para fazê-lo tomar os remédios. Depois espera até que ele adormeça. Chora. Se tivesse dinheiro ou coragem... Ana, de Jair, faz que dorme até que o marido – fedendo a cigarro e cerveja – comece a roncar. Levanta-se da cama com um misto de ansiedade e nojo. Na sala, revista a sua roupa. A noitada foi gorda. Com mais aquela grana já dá para ir embora. Volta e apanha as bolsas no quarto. Em silêncio abre a porta e vai-se ...

Um comentário:

Anônimo disse...

quisera saber se é dessa maneira que se fala a você...

beijo

lúbrica errática