sexta-feira, 10 de agosto de 2007

O Peru Filho da Puta


Tenho um peru. Ave. Tinha duas peruas, mas uma o cachorro Buck comeu. Não consegui ensinar a Buck que galinhas e peruas, cocás e jabotis, passarinhos e outros bichos de estimação não devem ser comidos. Ele apanhava quando os comia mas não entendia a razão. É a natureza dele, tive que respeitar. Não apanha mais. Mas voltando ao peru, esse grande filho-da-puta que pensa que é dono daqui, gosto cada vez menos dele. Não sei se sobreviverá ao próximo Natal. No começo (comprei-o já quase adulto, de um vizinho, junto com as duas peruas) achei-o apenas antipático. Depois ele ficou atrevido. Não saía da frente quando a gente ia passar, não dava caminho para as pessoas. Logo, de atrevido passou a agressivo. Insinuava ataques, ia para cima das pessoas, experimentando, tentando intimidar. Então ficou adulto e começou a se acasalar com as peruas. O ciúme e a necessidade de afirmação (ah! psiques avícolas, profundas e insanas...) lhe fizeram mais atrevido ainda. Agora já ataca mesmo as pessoas como se fosse um capoeirista, jogando o corpanzil para o ar, atirando os pés na direção da pessoa, tentando atingir com as esporas. Os empregados acham graça, negaceiam, se afastam com aquele ar de quem-dera-eu-pudesse-dar-um-pau-nesse-fdp-mas-o-patrão-não-ia-gostar. As crianças são aconselhadas a não chegar perto. As mulheres, precavidas, evitam os seus caminhos. Ele, plumas estufadas, penas do rabo em roda, bufa e glugluzeia orgulhoso, como se fosse o príncipe do terreiro.

Eu sou naturalmente calmo, tolerante, conciliador e diplomático. Até o limite. Outro dia eu vistoriava uma obra nos fundos da casa, sozinho, e era uma dia calmo, ensolarado, os empregados estavam em outra área, só se ouvia o cantar dos pássaros, o zumzumzum das abelhas, o farfalhar nas mangueiras e era tudo bom. De repente ouço, bem atrás de mim, o bufar do bicho. Foi me virar e pular para o lado, ele já vinha voando em minha direção, os dois pés à frente, para me pegar. Passei a mão num pedaço de pau, envermelhei os olhos, gritei “seu peru do caralho, seu filho-da-puta!” e saí correndo atrás dele. Derrubei o que havia por perto. Vendo minha fúria o bicho virou e correu. Eu estava decidido a abrir aquele corpanzil em dois com uma varada bem no meio das costas, já antevia o esfarofar de penas, o tombo ridículo, a sua cara feia e enrugada enterrada no chão, o cu de grandes penas virado para o ar, eu ia rir pra cacete daquele filho-da-puta todo fodido... Corri mais ainda seguindo seu zigue-zague apavorado e quando me aproximei o bastante para dar o golpe fatal foi que notei...

Nos fundos das casas dos empregados, bem ali ao lado, estava um grupo de mulheres e crianças, meio alvoroçadas, assistindo a ridícula cena que protagonizávamos, eu e aquele peru de merda. O barulho que eu fiz, gritando e xingando, correndo atrás do corno, chamou a sua atenção. Senti o ridículo na hora. Parei, ofeguei, voltei os olhos à cor normal, perguntei: “O que há?”. Os adultos, temerosos, apenas murmuraram “nada não” e chamaram as crianças para dentro. Mas o menorzinho, só de cuecas, numa voz fina e alta bastante para todo mundo ouvir, disse: “Ôxe, Mãe! Nunca vi um homem grande assim, com um pau grande assim na mão, correndo atrás de um peru! Deixa eu ficar pra ver, deixa!”. Ah, peru filho-da-puta!

O peru sumiu no mato. Eu joguei o pau fora, voltei para casa. Eles entraram, cochichando. A cena acabou.

Hoje ele, esquecido daquela carreira, empluma-se todo, abre a roda do cu, voltou a passear como um príncipe no meu terreiro. Me escapou. Mas não perde por esperar. Andei sabendo que ele anda estuprando galinhas. Se for verdade ele vai ver...

domingo, 5 de agosto de 2007

sábado, 4 de agosto de 2007

Recomeçando....

Sou ecologista. Ontem comi um tatu que comia a minha plantação de aipim. Amanhã comerei a cozinheira. Até o final da semana comerei a irmã do meu vizinho, que insiste em vir aqui dar uma geral na casa. Minha namorada chega logo em seguida. Desde que passei a morar sozinho alterno banquetes. Regionais, sensuais, eventuais... Minha cozinheira não entende quando lhe declamo devorações. Não sabe do que lhe falo, sobre comer criador e criatura. A irmã do meu vizinho acha que encontrou um príncipe. Com idade de rei, sei. E minha namorada acha que fico aqui tocando punheta até que ela apareça. Sei. Meus dias são de outra matéria. De certa forma sinto que salvo o planeta aos pouquinhos, vez a vez. Mas não me iludo com a minha realidade de sonho. Sonho, fantasio. Um dia comprarei uma roupa de batman e uma máscara de ninja e uma pistola alemã cheia de balas mortais. Me mudarei para Brasilia e matarei todos os corruptos que encontrar, um a um. Algum amigo pode ser exceção. Namorarei uma moça linda, chamada Evita. Que lindo nome de mulher! Tarde demais irei descobrir, antes o considerasse um conselho. Enjoarei das glórias. Meu nariz sangrará. Tomarei uma vodka congelada na casa de algum centurião. Comerei a sua mulher. Ele quererá me matar. Voltarei para a Bahia sem glória e sem dinheiro, no sacolejo de um buzu. Comprarei um sítio, criarei galinhas novamente, como hoje. Comerei um tatu, uma cozinheira, uma irmã de um vizinho e alguma namorada distraída, de vez em quando. Assim, assim...