domingo, 20 de abril de 2008

Melhor não pensar...

Meu coração pulsa. Sangue, veias. Tenho dois pulmões, acho. Respiro, aspiro, suspiro. Tudo me parece magnífico demais. É uma sorte que tudo funcione e eu permaneça, portanto, vivo. Vivinho da Silva. Xavier. Sempre pensei que era artista de um filme sobre a minha vida. Nada sério demais. Sempre imaginei câmeras a me seguirem por toda parte. O que os padres não conseguiram, essa minha fantasia sim. Evitei uns pecados. Para algum dia longínquo alguém assistir. Minha namorada nunca soube disso. Minha namorada nunca soube de nada, nunca houve. Também ninguém no meu time de futebol. Gols, jogadas, arrancadas, defesas, nunca vistas por ninguém. Não Há Futebol Clube. Tampouco em meu escritório sabem algo sobre mim, as minhas secretárias sem rosto e sem nome, os meus clientes e os seus sorrisos de satisfação em rostos sem traços. Mas os ternos eram Armani e suas mulheres, todas, queriam me namorar. Minha esposa me espera num país de um lugar desse mundo e meus filhos são todos super-heróis.

Não tenho medo do escuro, do frio ou da solidão. Nem do meu passado, que não costumo visitar. Nem do futuro, esse monstro esplêndido com sua bocarra aberta esperando, tão pacientemente, dia após dia, me engolir. Não tenho medo da fome, da dor ou da saudade. É preciso reconhecer o que há. É confuso. Mas minha cama é um barquinho balançando nessa água espessa que atravessa meu quarto e minha cabeça zumbe, zumbi, tão gostosamente, que não me permite pensar. Não pensar é que é bom. Não há nada. É só o que há. Gosto desse zumbido. Quase parece que não tenho medo de nada.

Mas tenho medo de uma coisa, sim. Por um átimo chega a pavor. Tenho medo que esse zumbido que eu ouço no meu ouvido se acabe. Antes que eu morra. E que eu tenha, então, sem zumbido nenhum para me distrair, que pensar. Em tudo que não há. Em tudo que há. Pavor. Antes de morrer não quero ter direito a um pedido final.